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DESTAQUES

22/05/2017

O ataque de “hackers” à rede mundial de computadores na última sexta-feira, dia 12, afetou mais de 70 (setenta) países, dentre eles o Brasil. Ao todo, sítios virtuais do Poder Judiciário, do Ministério Público e até mesmo do governo federal foram atingidos pelo ataque mundial.

E este mal que assolou o globo nos fez despertar para uma discussão necessária: como funciona e como se processa a jurisdição no ciberespaço? Este é o objetivo do presente artigo.

Nas últimas décadas, a sociedade atravessa uma verdadeira revolução digital, na qual são dissolvidas as fronteiras entre tecnologia, comunicação, economia e sociedade. Convencionou-se chamar essa nova era de “Sociedade da Informação”. Neste cenário, o operador do Direito, mais do que deve estar atento para este fenômeno, atuando ativamente para que, através de novas proposições, possa fornecer elementos normativos para as relações jurídicas criadas pela Internet.

Esse processou decorreu em razão de três fenômenos, inter-relacionados, que responderam pela gênese da transformação supramencionada, quais sejam a convergência da base tecnológica, a dinâmica da indústria e o crescimento e expansão da Internet.

A convergência da base tecnológica consubstancia-se na possibilidade de poder representar e processar qualquer informação de uma única forma: digitalmente. A importância de tal marco é profunda, visto que sem uma padronização tecnológica mínima, este novo paradigma de sociedade seria inimaginável.

Por outro lado, a dinâmica da indústria proporcionou contínua queda nos preços dos computadores, insumos tecnológicos, softwares, componentes de redes, permitindo maior acessibilidade à integração na rede. Assim sendo, verifica-se um considerável aumento nos níveis de integração nas relações interpessoais.

Enfim, o crescimento e expansão da Internet representou um aumento exponencial da população mundial com acesso à rede e evolução da conectividade internacional.

Este recente processo de globalização e integralização que o Brasil vem sofrendo acabou por fomentar, portanto, que as relações entre indivíduos operem de modo virtual. É comum as pessoas realizarem operações bancárias apenas pelo computador ou através do aplicativo do celular; realizam compras de alimentos, livros e outras mercadorias através do sítio eletrônico dos respectivos estabelecimentos; relacionam-se com outras pessoas através das chamadas redes sociais.

Com tais inovações, igualmente vem ganhando força a ocorrência dos ilícitos virtuais, principalmente nas esferas cível e criminal. Prova disso é, atualmente, ser comum tomarmos ciência pela mídia da prática de difamação em sites, de consumidores insatisfeitos com a aquisição de produtos adquiridos em sites de comércio eletrônico, além de empresas que tenham sido usurpadas de refletir a sua marca registrada mediante registro antecipado de terceiros dos seus domínios na Internet.

Assim sendo, o Direito Autoral constitui um dos ramos mais afetados pelo avanço tecnológico da Sociedade da Informação, uma vez que nos ambientes virtuais, particularmente na Internet, tornam-se mais difíceis a fiscalização e a preservação dos direitos do Autor dos mais diferentes conteúdos: dados, textos, imagens, sons, softwares, ou seja, tudo que pode ser operado, transmitido e manipulado através da rede mundial de computadores.
Sobre o novo arranjo da sociedade e sua relação com os Direitos Autorais, imprescindível são os ensinamentos de Ascensão:

“Sociedade da informação não é um conceito técnico, é um slogan. Melhor se falaria até em sociedade da comunicação, uma vez que o que se pretense impulsionar é a comunicação, e só num sentido muito lato se pode qualificar toda a mensagem como informação. Entre as mensagens que se comunicam há as que são atingidas por um Direito de Autor ou direito conexo, criando-se um exclusivo. A disponibilidade dessa mensagem nas infraestruturas da comunicação pressupõe que se assegure primeiro o direito à utilização dessa mensagem”.

Nestes termos, com o advento da denominada Sociedade da Informação, verifica-se que tal fenômeno criou impacto em diversos ramos da sociedade, gerando diversas lacunas e omissões legislativas até então não abarcadas pelo ordenamento jurídico vigente.

Assim, tendo em vista que o Direito acompanha diretamente o desenvolvimento da sociedade, justifica-se a análise da ampliação do conceito de jurisdição para a proteção processual dos ilícitos ocorridos diretamente nos meios virtuais, o que o presente trabalho busca discutir.

Segundo o escólio de Maria Helena Diniz, jurisdição “é o poder de dizer o direito” (DINIZ, 1998, p. 24). Por seu turno, José Frederico Marques, afirma que “a jurisdição é a força operativa, o processo, o modus operandi e o complexo instrumental em que o poder do Estado atua com finalidade compositiva de dar solução a conflitos de interesses, impondo a regra de direito objetivo adequada” (MARQUES, 1958, p. 70).

 

Assim, diz-se que todo magistrado, quando aprovado no concurso público de provas e títulos, é investido de jurisdição, materializada na capacidade de julgar, na especial habilidade de aplicar o Direito para dirimir litígios.

Assim considerada, alguns doutrinadores, essencialmente de origem inglesa e norte-americana, estudiosos do tema da “Law of the Cyberspace”, passaram a defender a regulamentação da Internet, a fim de haver legislação aplicável à solução dos conflitos específicos das relações virtuais.

Assim sendo, uma vez considerada a Internet como um meio abrigado pelo véu da jurisdição com o advento da chamada “Sociedade da Informação”, é de rigor que os meios virtuais sejam dotados do elemento da neutralidade, requisito caracterizador dos meios jurisdicionados.

A esse respeito, Michael Kloepfer assevera que “a discussão em torno do conceito de neutralidade da rede mostra-se momentaneamente com intensidade significativa na rede de comunicação da Internet. Neutralidade da rede significa, nesse contexto, acima de tudo a igualdade de tratamento dos pacotes de dados, independentemente da sua origem, do seu destinatário e de seu conteúdo” (KLOEPFER apud MENDES, 2015; SARLET, 2015; COELHO, 2015, p. 146).

 

É preciso assegurar, neste contexto, que os jurisdicionados tenham igual tratamento, direitos e garantias, independentemente de discriminação de qualquer natureza. Tal paridade de jurisdição de modo a garantir sua neutralidade é justamente proporcionada mediante a regulamentação do ambiente virtual.

 

Trazendo a discussão para a realidade brasileira, de rigor verificar que, em 2014, houve a promulgação da Lei nº 12.965, popularmente conhecida como “Marco Civil da Internet”, pondo fim à lacuna na legislação brasileira no que diz respeito à proteção de dados e de usuários na rede mundial de computadores e sancionando os agentes pela prática de ilícitos virtuais.

 

Nesta seara, tal medida legislativa representou profundas alterações e melhorias no combate aos ilícitos virtuais, dentre as quais, faz-se necessário estudar com maior afinco quatro delas: o dever de guarda de registros de conexão e de acesso; a divulgação de registros, dados pessoais e comunicações privadas; a garantia contratual dos usuários; e a responsabilidade civil dos provedores.

Inicialmente, no tocante à guarda de registros de conexão e de acesso, a partir da entrada em vigor do Marco Civil da Internet, os provedores de conexão à internet deverão manter armazenados pelo período de um ano, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, os registros de conexão de seus usuários, isto é, o conjunto de informações referentes à data e hora de início e término de uma conexão à internet, sua duração e o endereço IP utilizado pelo terminal para o envio e recebimento de pacotes de dados.

Nos termos do artigo 13 da referida lei, o prazo suprarreferido pode ser estendido mediante requerimento cautelar de autoridade policial ou administrativa ou do Ministério Público.

Tal inovação legal mostra-se importante diante da possibilidade de identificação do agente infrator de eventual Direito Autoral, uma vez que remanescem armazenados os dados dos usuários pelos provedores de Internet pelo prazo inicial de um ano. Trata-se de medida satisfativa processual que visa garantir o conhecimento da parte legítima para responder por eventuais perdas e danos, bem como por danos morais decorrente de ilícito autoral.

Outrossim, a mencionada lei também autoriza o pedido de fornecimento e divulgação dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet. Tal pedido deve ser formulado pela parte interessada ao juiz competente, manifestando seu propósito de constituir prova em processo judicial cível ou penal, devendo conter, obrigatoriamente, sob pena de inadmissibilidade, os fundados indícios da ocorrência do ilícito, justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória e período ao qual se referem os registros, nos moldes do artigo 22 da Lei 12.965/2014.

Tal instrumento processual trazido á baila pelo dispositivo supramencionado, de igual forma, representa sensível avanço no combate aos fantasmas dos ilícitos autorais, os quais, por inúmeras vezes, eram praticados em notória e manifesta ausência de fiscalização, o que gerava um entrave nos mecanismos de defesa dos direitos substanciais do Autor de obra intelectual.

Tal medida assemelha-se com a figura das Tutelas Provisórias de caráter cautelar trazida pela nova sistemática processual, uma vez que não mostra-se satisfativa e visa apenas e tão somente o amparo a direito autoral que virá a ser arguido em oportuna ação.

Noutro giro, é importante observar que tal medida ganha igual relevância ao permitir que o Autor, aqui entendido como ingressante com demanda judicial para a reparação dos direitos vilipendiados, possua meios justos e eficazes para a prova do fato constitutivo do seu direito, também em respeito ao que dispõe a distribuição da carga probatória trazida pelo artigo 373 do Novo Código de Processo Civil.

Também é válido ponderar que se deve restar comprovado o requisito autorizador do fumus boni iuris, isto é, a fumaça da efetiva ocorrência do ilícito autoral, a fim de permitir a quebra do sigilo virtual que permeia os dados dos usuários da Internet.

Por outro lado, o Marco Civil da Internet entende que a natureza jurídica existente entre os provedores e seus usuários é eminentemente contratual, o que implica afirmar na existência de certas garantias contratuais dos usuários, os quais deverão dispor de informações claras e completas sobre coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de seus dados pessoais (artigo 7º, VIII, Lei 12.965/2014).

Contudo, o mesmo artigo 7º, agora em seu inciso IX, também prevê que deve haver consentimento dos usuários sobre a coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais dos usuários.

Assim, parece que o legislador acabou por criar um vácuo legislativo por meio do qual o agente tipicamente intencionado com o elemento subjetivo do dolo permaneça impune frente à ocorrência de eventual ilícito aos Direitos Autorais, como disponibilização de obra intelectual de outrem na rede mundial de computadores.

Caso o agente esteja com prévia má-fé, basta não conceder expressamente o consentimento para a livre disposição dos seus dados e, assim sendo, o provedor nada pode proceder para contribuir com a identificação do agente infrator.

A despeito de tal deslize legislativo, verifica-se que outra inovação trazida pelo Marco Civil da Internet é no que se atine à responsabilidade civil dos provedores, os quais estão isentos de dever de reparar por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros (artigo 18 da Lei 12.965/2014).

Tal disposição justifica-se pelo fato do provedor de conexão à internet não possuir controle ou ingerência sobre o conteúdo criado e divulgado pelos seus usuários. Portanto, se um usuário específico disponibiliza obra plagiada, apenas ele será responsável por tal infração, não havendo que se falar em culpa do provedor.

Já em relação ao provedor de aplicações de internet, o Marco Civil da Internet prevê, como regra geral, que este somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tornar o material indisponível no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, dentro do prazo assinalado, tal como ordena o artigo 19 do Marco Civil da Internet.

Neste sentido, confira recente julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. REMOÇÃO DE CONTEÚDO DA INTERNET. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.
A decisão judicial que suspende a disponibilidade de conteúdo da internet deve ser clara e específica, permitindo a localização inequívoca do material, sob pena de nulidade. Art. 19, §1º, do marco civil da internet.
Hipótese em que inexiste identificação clara e específica dos conteúdos a serem removidos. Liminar revogada.
AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. UNÂNIME”.

 

No caso em tela, trata-se de responsabilidade da rede mundial de relacionamentos Facebook pelo descumprimento de comando judicial de retirada de determinado conteúdo do ar. Como se pôde ver, tal ordem deve ser clara, inequívoca, sem ambiguidades, sob pena de, como aconteceu no caso concreto, revogar a liminar outrora concedida.

Assim, apesar de ainda ser muito cedo para afirmar categoricamente que os objetivos calcados pelo Governo Federal foram amplamente alcançados, o Marco Civil da Internet traz evolução e clareza a determinados temas, como o panorama de responsabilidade civil aplicável aos provedores e o período de guarda de registros e dados de usuários.

No tocante a estes temas, o que se espera e se almeja é justamente a diminuição da lacuna até então existente na jurisdição do ciberespaço, alcançando e dando efetividade aos Direitos Autorais amparados e previstos na legislação esparsa.

Gustavo Lopes Ferreira

Advogado na Abreu Sampaio Advocacia e membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr). Atuante na área de contencioso cível e empresarial estratégico, atuando com demandas diversificadas nas áreas do Direito Civil, Empresarial e Societário, e autor de diversos artigos acadêmicos publicados.

 

Fonte: Texto originalmente publicado no portal Megajurídico.

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